on terça-feira, 30 de setembro de 2014
Com a azáfama toda do final das férias, inicio de um novo semestre e novos projetos, quase que não me apercebi que já era setembro - quase outubro, até. Passei o dia a tratar de papelada e acabei por passar imenso tempo em filas com os meus próprios pensamentos e agora sinto-me nostálgico.

Setembro de 2013 marca o início da minha transição. E, não, isto não significa que tive a minha primeira consulta, ou comecei algum tratamento físico, ou contei a alguém em setembro de 2013. Não fiz nenhuma dessas coisas (o máximo poderá ter sido começado a falar disto abertamente com algumas pessoas, não tenho a certeza). Eu defino o início da minha transição como o dia em que comecei ativamente a tentar por-me confortável dentro da minha própria pele. Fosse a experimentar com roupas e cortes de cabelo, ou a tentar negociar com o meu reflexo em frente a um espelho - foi o ponto em que comecei a trabalhar no sentido de me sentir bem. 

Passado um ano, posso orgulhar-me de já ter conquistado um monte de problemas (e ter arranjado outros tantos) - se me dissessem, há um ano atrás, que hoje estaria na situação em que estou, nunca me teria acreditado. Nunca pensei conseguir fazer tantos progressos durante um único ano.

Há alguns dias conversava com outro rapaz trans sobre as dificuldades do início da transição, dos medos, de estratégias para contar às pessoas, lidar com familiares e stress generalizado à volta da transição. Ao longo dessa conversa estava a constantemente com uma sensação de dejá vu, eu já tinha tido aquela conversa antes. A certa altura apercebi-me que, de facto, eu já tinha estado naquela conversa, há mais ou menos um ano atrás, com outra pessoa diferente e num papel diferente. Há um ano, eu era a pessoa cheia de medos e dúvidas, em pânico sem saber por onde ou como começar tudo isto; do outro lado estava um rapaz que já tinha iniciado a sua jornada há algum tempo a tentar ajudar-me. Na altura ajudou bastante, só o facto de ter alguém com quem falar, alguém que já passou pelo mesmo e que nos possa dar alguns conselhos, é uma ajuda enormíssima. Eu lembro-me de, na altura, ter uma admiração enorme por esse rapaz, pela atitude que demonstrava perante a transição, pelo facto de já estar assumido para um monte de gente e pelo facto de estar a tentar ajudar quem precisava de ajuda (naquele caso, eu próprio). Um ano depois, ainda tenho admiração por ele, embora já me tenha apercebido que ele não é o super-herói que eu julgava que ele fosse - não por ele ter descido na minha consideração, mas por me aperceber que muitas das coisas que me levavam a admira-lo são coisas que fazem parte da vida de muitas pessoas trans e eu próprio já me vi confrontado com essas situações. As pessoas trans passaram de "pessoas super corajosas e fortes e incríveis" para "pessoas que fazem o que têm de fazer para sobreviver", não deixando de ter imensa coragem e força para ser quem somos, claro. Somos todos super-heróis, à nossa maneira.

Hoje em dia acho piada à forma como algumas pessoas vêem as pessoas trans como "super corajosas e fortes e determinadas" (quando não nos vêem como doentes mentais ou loucos), principalmente quando se dirigem a mim como se eu fosse tudo isso que elas pensam que sou. Eu adorava conseguir ter metade da força e coragem que algumas pessoas pensam que tenho. Quase tudo o que fiz durante o último ano no contexto da transição teve muito mais de desespero e frustração do que força ou coragem. Eu comecei a contar às pessoas porque me frustrava imenso viver numa mentira constante, eu decidi começar o processo clínico porque não aguentava mais ficar da forma que estava, qualquer modificação que fiz (que até agora ainda nem foi grande coisa) foi motivada pela necessidade urgente de mudança. (Não me estou a queixar, de forma alguma, de ser visto como uma pessoa com todos esses atributos positivos, estou só a pensar alto - todo este post está a ser um enorme rambling, portanto...) 

Em termos de mudanças físicas, muito pouco aconteceu durante este ano - afinal, a transição não é só isso, por muito que a maioria das pessoas goste de obcecar com as questões físicas (já perdi a conta da quantidade de vezes que me perguntaram sobre a operação, ou sobre hormonas, ou sobre outro pormenor qualquer desse género). Apesar disso, não consigo deixar de sentir que mudei imenso durante os últimos meses. Se calhar as mudanças não serão evidentes para as pessoas à minha volta, mas são gigantescas no que toca ao meu bem estar e evolução como pessoa no geral. Aliás, eu sinto que só agora é que consigo começar a evoluir e a conhecer-me a mim mesmo, a desenvolver traços de personalidade e partes de mim que desconhecia por completo. Não que não tivesse personalidade ou vida antes, mas hoje parece-me tudo muito mais vivo, interessante, apelativo e, ás vezes, mais fácil. Viver é mais fácil agora que me assumi como trans, por muito contraditório que isso possa parecer. Provavelmente não é mais fácil, provavelmente eu tenho é mais motivação e energia para viver e para enfrentar os problemas por muito impossíveis que pareçam de resolver... Não sei. 
É quase como quando comecei a usar óculos: antes de os usar não era cego, mas só agora com os óculos é que me apercebo de que antes via mal e que a vida é muito menos desfocada e esborratada do que eu pensava. Hoje em dia não consigo conceber viver sem óculos e não entendo como é que não me apercebi que via mal mais cedo. 

Eu não sei mesmo onde é que este post vai ou porque é que o comecei sequer a escrever. Acho que não queria deixar passar este marco pessoal. Além disso, queria quebrar um bocado o hábito deste blog de ter posts mais informativos e começar a escrever um bocado mais sobre a minha experiência e sobre... cenas. Não vou entrar em detalhes da minha vida pessoal, mas dar um toque mais pessoal ao blog não calhava nada mal. Portanto, aqui fica. 
on terça-feira, 9 de setembro de 2014
Update (16.04.2015): este guia está agora disponível para download em formato pdf!

Serve este post para compilar toda a informação que conseguir encontrar sobre binders, onde os obter, como os fazer, ou qualquer pedaço de informação relevante para o tema. Este post está em permanente atualização; podem contribuir e deixar mais sugestões de informação, lojas, dicas, etc nos comentários.

Índice do post:
1) Informação básica
2) Compressão com segurança
3) Dicas de utilização
4) Lojas
     4.1) Lojas europeias
     4.2) Lojas fora da europa
5) Métodos caseiros
6) Programas de troca de binders
     6.1) Acessíveis a residentes de Portugal
     6.2) Não acessíveis a residentes de Portugal
7) Outras informações e links



1) Informação básica
Como "binder" pode entender-se qualquer peça de roupa ou tecido usado para comprimir as mamas, com o objetivo de criar a aparência de se ter um peito masculino (liso). Existem diversos materiais e métodos, não existindo um "gold standard" ideal que funcione com toda a gente. 

Os binders podem ser usados por homens transexuais (que tenham mamas) com o objetivo de aliviar a disforia causada pelas mamas ou para fazer com que mais facilmente sejam vistos como homens pelas outras pessoas. 



2) Compressão com segurança
Os binders, independentemente do método ou do material usado, causam stress no nosso corpo devido à compressão da caixa torácica. Por isso, é aconselhado nunca usar um binder por mais de 8 horas seguidas. 

Ligaduras elásticas ou de compressão nunca devem ser usadas como binders, assim como fita-cola (mais informação sobre os problemas associados às ligaduras aqui). Estes métodos estão facilmente acessíveis à população em geral, mas são uma péssima ideia para comprimir o peito: restringem a respiração, não permitem a expansão do tórax, podem causar problemas respiratórios, compressão das costelas (em casos extremos podendo levar a costelas partidas), nódoas negras, etc.

Mesmo usando um material adequado, nunca se deve usar o tamanho abaixo daquele que é recomendado para a nossa estrutura corporal. Usar o tamanho abaixo pode ser tentador, mas vai acabar por provocar desconforto e provavelmente danos ao nosso corpo.

Outra má ideia é usar dois binders simultaneamente. A compressão extra do segundo binder vai causar desconforto e, mais uma vez, danos ao corpo. 

Os mesmos problemas que estão associados às ligaduras e à fita-cola também se aplicam nos casos de má utilização de um binder. 

Usar binders a longo prazo (durante anos seguidos) pode modificar ou danificar o tecido mamário permanentemente e pode comprometer os resultados de uma futura mastectomia. 

Do site do Dr. Décio Ferreira, cirurgião plástico: 
"Uma compressão no sentido perpendicular à base da mama mantendo o mamilo centrado com a mama é a correta. Pode não parecer tão eficiente e ser mais complicado de fazer mas é de facto muito vantajosa no futuro.
(...)
Quando a compressão não é bem feita o problema é maior para o transexual que para o cirurgião.
De facto na tentativa de esconder as mamas por vezes fazem uma compressão de cima para baixo e com isso vão provocar um estiramento da pele que está do mamilo para cima criando mamas em forma de saco de café. Na verdade a glândula é pequena mas nestes casos foi criado um excesso de pele que obriga à criação de cicatrizes. Para tirar a pele que está a mais e que resultou da compressão mal feita o cirurgião não tem hipóteses; tem de criar cicatrizes."



3) Dicas de Utilização
Alguns binders compridos (que cobrem o tronco todo) podem ter tendência a enrolar para cima. Uma possível solução é enfiar o binder dentro das calças ou da roupa interior.

Os binders devem ser lavados à mão e deixados a secar ao ar. É também aconselhado usar água fria durante a lavagem. Isto não é essencial para a utilização do binder, mas pode aumentar o seu tempo de vida.

Os binders feitos com materiais pouco elásticos, apesar de poderem ser mais eficazes no início, costumam ter menos tempo de vida do que os feitos com materiais mais flexíveis. 

Caso o material do binder provoque desconforto ou irritação na pele, pode-se usar uma t-shirt por baixo do binder sem que este perca eficácia.

Os binders que permitem ajustamento (ex: binders com velcro de lado) costumam ser mais fáceis de retirar, mas mais difíceis de colocar. O método adequado para os colocar costuma ser ajustar o binder antes de o vestir.

Caso não consigam vestir o binder como uma camisola normal (por cima, ou seja, enfiar o pescoço e os braços e depois deslocar o binder para baixo para tapar o peito e o tronco), tentem vesti-lo por baixo: virem o binder do avesso e de pernas para o ar, "entrem" com os pés nele e depois puxem-no para cima até ao início do tronco; daí, puxem as alças para cima e enfiem os braços no local adequado (explicação visual neste vídeo).

Para avaliar a eficácia do binder, o ideal é olharem para a vossa imagem num espelho. Se tentarem avaliar olhando para vocês mesmos (olhar para baixo, para o vosso próprio peito) vai sempre parecer que o peito é maior do que é na realidade. 

Ao comprar um binder, caso se encontrem entre dois tamanhos, o mais seguro é comprar o tamanho acima (ex: se estiver entre um S e um M, o melhor é comprar o M). Com o tamanho abaixo correm o risco de ficar com um binder demasiado apertado, desconfortável ou até impossível de vestir. 

Os homens cissexuais também não têm (ou raramente têm) um peito perfeitamente liso. É normal ter um bocado de volume no peito. 



4) Lojas

4.1) Lojas europeias

Danae
http://www.danae.info/en/female-male/tops
Holanda
Preços: 37-59 euros
Inclui modelos ajustáveis com velcro ou fecho zipper, e um binder de natação. Tem outros produtos de interesse aos homens e mulheres transexuais. 



4.2) Lojas fora da Europa
(vendem para Portugal)

Underworks
http://www.f2mbinders.com/
Estados Unidos da América
Preços: 23-30 euros
Bastante popular entre homens transexuais por ser uma das lojas com a melhor relação preço/qualidade e por serem eficazes para a maioria dos tamanhos e estruturas corporais. Têm um bom atendimento ao cliente e são trans-friendly. Têm modelos variados, incluindo um binder de natação.
Por vezes aceitam os códigos "under10" ou "aj4uw10" para obter um desconto de 10%.

GC2B
http://www.gc2b.co/
Estados Unidos da América
Preços: 30-32 euros

T-Kingdom
http://www.t-kingdom.com/
Taiwan
Preços: 23-52 euros
Bastante popular entre homens transexuais, principalmente entre os que têm mamas mais pequenas. Têm modelos ajustáveis com velcro ou fecho zipper.

Love Boat
http://www.lesloveboat.com/shop/index.php?language=en
Taiwan
Preços: 17-78 euros
Vendem outros produtos de interesse à população transexual e LGBT em geral. Têm uma grande variedade de modelos (ajustáveis, sem alças, etc) e várias marcas diferentes, incluindo um binder de natação. Têm uma secção "Plus size" com binders mais direcionados a pessoas com mamas maiores.

Mansculpture
http://www.mansculpture.com/
Estados Unidos da América
Preços: 30-52 euros

Esha
http://www.esha-taipei.net/en/gallery-4.html
Taiwan
Preços: 20-41

Além destas lojas especializadas, também se encontram binders na Amazon, no Ebay, ou em outros sites. 
Um modelo bastante popular pelo seu preço é este, que costuma ter avaliações positivas. 
Outro modelo comum no ebay e também bastante popular pelo seu preço é este. Eu já usei esse modelo durante alguns meses, e não o recomendo: não tem qualquer elasticidade, restringe a respiração e é muito desconfortável; entre usar esse modelo e usar ligaduras, quase não notei qualquer diferença. 



5) Métodos caseiros

Soutiens de desporto
O método, provavelmente, mais facilmente acessível. Consiste em usar um ou dois soutiens de desporto simultaneamente, por vezes usando um deles com o tamanho abaixo do recomendado.

Faixas de material elástico ou borracha
Também facilmente acessível, estas faixas podem ser encontradas em lojas de desporto, farmácias ou em lojas menos especializadas (lojas dos 300, chineses, etc). 

Binder caseiro #1
Explicação do método neste link

Binder caseiro #2 - usando um body-shaper (alguém sabe o nome disto em PT?)
Explicação do método neste link

Binder caseiro #3 - semelhante ao método caseiro #1
Explicação do método neste link

Binder caseiro #4 - semelhante ao método caseiro #1 e #3
Explicação do método neste link

Binder caseiro #5 - usando meias calças
Explicação do método neste link



6) Programas de troca de binders

6.1) Programas acessíveis a residentes de Portugal:

MORF Binder Exchange
http://morfuk.webeden.co.uk/binder-scheme/4585449674
Sediado no Reino Unido, enviam binders para todo o mundo. É preciso pagar os custos de envio apenas. 

Free/cheap ftm binders @ Facebook
https://www.facebook.com/groups/freeftmbinders/
Grupo no facebook para troca, oferta e venda de binders. 

FTM Garage Sale
http://ftmgaragesale.livejournal.com/
Comunidade no LiveJournal de venda, oferta e troca de binders e outros objetos de interesse à população FTM.


6.2) Programas não acessíveis a residentes de Portugal:

In a Bind
https://www.transactiveonline.org/inabind/
Só disponível para residentes dos EUA. Limitado a menores de 21 anos.

Replace The Ace
http://replacetheace.wordpress.com/binders/
Só disponível para residentes dos EUA. 

Pay It Forward
http://binderprogram.ftmaustralia.org/
Só disponível para residentes da Austrália e Nova Zelândia.



7) Outras Informações e links

The Chest Binder Review Blog
http://chestbinders.wordpress.com/
Este blog está inativo desde 2010, mas tem opiniões e avaliações sobre vários binders que ainda são relevantes hoje em dia. Pode ser útil para decidir qual binder comprar.

Este post vai sendo atualizado à medida que vou encontrando mais informação.
As informações aqui contidas vêm da minha própria experiência pessoal, das experiências de outras pessoas que usam ou usaram binders ou de profissionais de saúde (referenciados sempre que possível).