on quinta-feira, 20 de fevereiro de 2014
Há alguns dias recebi um comentário a perguntar qual era a diferença entre transexualidade e transgenerismo. Esta pergunta vai ser respondida por partes. 

Vou começar por tentar definir "transexualidade". Existem várias formas de definir uma pessoa transexual, mas a minha definição favorita é a seguinte: 
uma pessoa transexual é uma pessoa cuja identidade de género não corresponde ao género que lhe foi atribuído a nascença.

É uma definição bastante simples, mas vamos tentar entende-la mais a fundo.

O que é isso de "género atribuído a nascença"? 
Quando nascemos, uma das primeiras coisas que os médicos fazem é olhar para os nossos genitais e, com base nessa observação, declaram-nos "menino" ou "menina", caso observem um pénis ou uma vulva, respetivamente. Ou seja, é-nos atribuído um género à nascença com base na aparência dos nossos genitais. 


Esse género que nos é atribuído carrega com ele toda uma bagagem social, espectativas de comportamento, gostos pessoais, estilos de roupa, aparência, etc. Toda esta "bagagem" pode ser referida colectivamente como "papéis de género". Eu hei de abordar o tema dos papéis de género num futuro post aqui mas, para já, quero apenas deixar claro que os papéis de género são algo artificial e definido pela sociedade e que, portanto, pouco ou nada têm a ver com o género atribuído a nascença ou com a nossa identidade de género.


Falemos agora da identidade de género. Isto é algo mais difícil de definir. Tal como o nome implica, a identidade de género diz respeito à nossa identidade, à forma como nos vemos a nós mesmos e como nos vemos em relação ao ambiente em que estamos inseridos. Ou seja, é um conceito bastante abstracto e pessoal. É aquela sensação de "ser" homem ou mulher (ou outra coisa qualquer). O que é que significa ser homem ou mulher? Não sei. Há inúmeras formas de ser homem ou mulher, assim como ha inúmeras formas de ser tímido,  simpático, curioso, trapalhão, paciente ou outra característica qualquer que define a nossa identidade. Posso é dizer o que é que não define um homem ou uma mulher: não os nossos genitais, não são os pêlos que temos ou não nas pernas, não é o nosso gosto por vestidos ou calças, não são as nossas escolhas profissionais, não é a nossa orientação sexual, não são os nossos hobbies... Resumidamente: a nossa identidade de género não é definida pelos papéis de género nem pela nossa aparência.

A nossa identidade de género é definida por nós mesmos. Somos apenas nós que sabemos quem somos e como nos sentimos e, portanto, somos apenas nós que temos legitimidade para nos definirmos.


Recapitulando: todos nós somos classificados como homem ou mulher à nascença de acordo com os nossos genitais. Entretanto, podemos descobrir que a nossa identidade difere da que nos foi imposta à nascença. 

Ou não, podemos crescer satisfeitos com o género que nos foi atibuido. Essas pessoas sortudas cuja identidade de género alinha com o género que lhes foi atribuído, chamam-se "cissexuais" (ou cisgéneros, as duas palavras costumam usar-se como sinónimos). Por exemplo, uma pessoa que foi declarada "menino" à nascença e que se identifica como homem é uma pessoa cisgénera.

Por outro lado, temos as pessoas cuja identidade de género é diferente do género que lhes foi atribuído. Essas são as pessoas transexuais.

É tao simples quanto isto.

Existe uma outra dimensão que não tenho bem a certeza se deva incluir na definição de transexual, mas vou menciona-la na mesma porque pode ser útil mais tarde quando tentar distinguir as noções de transexualidade transgenerismo. Uma pessoa transexual é, de acordo com algumas pessoas, uma pessoa cuja identidade de género não corresponde ao género que lhes foi atribuído e que expressam vontade de modificar o seu corpo de acordo com o género a que pertencem. Ou seja, alem do que eu já expliquei anteriormente, acrescenta-se aqui o critério da "transição"- considera-se então aqui que uma pessoa transexual quer fazer algum tipo de transição física (note-se que eu escrevi "quer" e não "faz"; existem pessoas que querem transicionar mas, por diversas razões, estão impossibilitadas de o fazer).

Isto é o básico dos básicos. É uma tentativa de reduzir as pessoas transexuais a um denominador comum. Mais tarde vou desenvolver melhor algumas das noções introduzidas neste texto mas, para já, fico-me por aqui.
on sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014
Olá, pessoas. Sejam bem vindas ao meu blog. Eu sou um gajo, que por acaso é trans, e estou aqui para falar de cenas (provavelmente sobre cenas trans e cenas que a mim, como pessoa trans, me fazem pensar, refletir ou ressabiar). 

Mas o que é isso de ser "trans"? Neste contexto, "trans" serve de diminutivo de transexual e transgénero (e quero chamar a atenção para o facto de "transexual" e "transgénero" não serem sinónimos!). Criei este blog porque tenho uma série de cenas, pensamentos, opiniões, etc, que gostava de partilhar e de deixar por aí para que alguém as leia. Quero também começar a tentar preencher um vácuo que tenho vindo a notar que existe há demasiado tempo: textos sobre cenas trans. A transexualidade e o transgenerismo são assuntos muito pouco divulgados e, portanto, muito pouco conhecidos. Provavelmente, uma pessoa só entra em contacto com estes assuntos quando aparece um concorrente na casa dos segredos que diz que "mudou de sexo o ano passado" ou quando ouve falar desta ou aquela pessoa que foi espancada na rua - provavelmente por ser "um homem a usar saias" ou até mesmo "uma prostituta travesti". 

As pessoas trans são quase invisíveis e, nas poucas ocasiões em que são visíveis, estão muito mal representadas. Já me começo a fartar de ver séries de comédia a usar mulheres trans como punchlines de piadas sexistas e (trans)misóginas, ou profissionais de saúde a dizer que todas as pessoas trans odeiam de morte o seu corpo, ou blogs que aparentam ser bem intencionados mas escritos por putos do secundário durante Área de Projeto que não entendem nada sobre realidades trans. E estou farto de ver pessoas trans completamente à deriva, sem saber que opções têm, sem saber para onde se dirigir, à espera durante meses por um médico de família que os ignora por completo e que depois tenta força-los para consultas de psiquiatria, ou que decidem fazer uma transição sem acompanhamento médico por se sentirem marginalizados pelos mesmos médicos que nos deviam ajudar (entre várias outras situações espatafúrdias). 

Portanto, é minha intenção, com este blog, escrever o que me vai na alma e tentar, pelo caminho, talvez mudar uma ou duas mentalidades. Quero desde já dizer que o que se encontra neste blog é a minha, e apenas minha, opinião. Eu não represento mais nenhuma pessoa, além de mim próprio. Eu não falo pela "comunidade" transexual ou transgénera. As minhas opiniões e experiências não refletem as opiniões e experiências de outras pessoas trans. O que eu escrever aqui poderá muitas vezes estar em conflito com as opiniões ou experiências de outras pessoas trans. Fica aqui o disclaimer.

Caso tenham alguma pergunta ou assunto que gostariam de ver abordado (que esteja relacionado com assuntos trans), sintam-se à vontade para me deixar um comentário. 

Dito isto, sejam todxs bem vindxs ao meu blog. Enjoy your stay.