on terça-feira, 30 de dezembro de 2014
Leelah Alcorn, uma rapariga trans de 17 anos dos EUA, suicidou-se hoje (ou ontem? os fusos horários confundem-me). Leelah deixou uma nota de suicídio que pode ser lida na íntegra no seu blog, onde detalha os eventos que a levaram a perder a esperança e a vontade de viver. Para adicionar insulto à injúria, a notícia já apareceu em vários artigos online, quase sempre a reportar a morte de um rapaz de 17 anos que 'parece ter sido' um suicídio ('parece', mesmo com uma nota de suicídio online pode ter sido apenas um acidente, certo...).

É profundamente lamentável o suicídio de mais uma pessoa trans. Ao longo da nota de suicídio podem ler-se menções ao desespero sentido pela Leelah vindo dela própria (o isolamento, o medo de não conseguir fazer uma "transição com sucesso") e, como se isso não bastasse, o desespero foi agravado pelo abuso e intolerância parental, que foi ao ponto de lhe impedir o acesso aos cuidados médicos que ela precisava. Estas situações, infelizmente, são mais comuns do que seria aceitável (se houvesse apenas uma pessoa nesta situação, ainda assim seria inaceitável) e demasiadas pessoas trans continuam a ter de passar por situações destas que, por vezes, culminam no suicídio. Ainda por cima, na maioria dos casos, nunca se chega a saber que a razão do suicídio foi a transfobia porque as identidades e vontades das pessoas trans são rotineiramente ignoradas e/ou apagadas pelos meios de comunicação social ou até pelas famílias das próprias pessoas trans - neste caso, a família de Leelah tem-se recusado a trata-la pelo seu nome e ainda não reconheceram sequer que a sua morte foi um suicídio. 

Há um monte de coisas sobre as quais poderia aqui debruçar-me, mas vou focar-me numa questão que me saltou à vista mas que parece estar a passar ao lado da maioria dos artigos que vejo por aí. 

Quase no final da sua nota de suicídio, Leelah escreveu:
"A única maneira de eu alguma vez descansar em paz é se, algum dia, as pessoas trans não forem tratadas como eu fui, quando forem tratadas como humanos, com sentimentos válidos e direitos humanos. É preciso ensinar sobre o género nas escolas, quanto mais cedo melhor. A minha morte tem de significar algo. A minha morte tem de ser contada no número de pessoas trans que cometeram suicídio este ano. Eu quero que as pessoas olhem para esse número e digam "isto é terrível" e corrijam isto. Corrijam a sociedade.
(tradução livre)

Leelah pareceu encarar o seu suicídio não apenas como uma decisão pessoal, mas como uma oportunidade para fazer ativismo. Isto provoca-me alguns sentimentos dissonantes entre si... por um lado compreendo que uma pessoa queira dar algum significado à sua vida, mas faze-lo através do término dessa vida parece-me horrendo. O suicídio não é a melhor forma para fazer passar uma mensagem num contexto de ativismo (ou em qualquer outro contexto). O mundo só muda se houver pessoas que lutem para que as mudanças ocorram. É preciso resistência, e não há melhor forma de resistência do que mostrar ao mundo que sobrevivemos a toda a merda que nos atiram à cara diariamente. 

Espero não ser mal interpretado. Não quero com isto criticar os motivos ou desejos da Leelah, mas tinha isto um bocado preso na garganta e queria deixar isto registado algures. Mais do que isto ter aparecido na nota de suicídio dela, preocupa-me a atenção que algumas pessoas parecem estar a dar a este excerto do texto. Ao ler alguns comentários sobre este caso quase que fico com a impressão que estão a glorificar este suicídio em nome do ativismo e da mudança. Por favor, não façam isso. Não há absolutamente nada de inspirador no suicídio de uma jovem de 17 anos, vítima de transfobia.

Vamos tentar tornar o mundo num local em que isto nunca mais volte a acontecer.

Caso estejam a lidar com pensamentos ou ideações suicidas, por favor falem com alguém. Um familiar em que possam confiar, um amigo próximo, alguém. 

Centro SOS Voz Amiga - Ajuda na solidão, angústia, desespero e prevenção do suicídio
21 354 45 45
91 280 26 69
96 352 46 60
Diariamente das 16h às 24h horas
www.sosvozamiga.org

Linha SOS Palavra Amiga
Viseu – 23 242 42 82
Todos os dias, das 21 à 01 horas

APAV - Associação Portuguesa de Apoio à Vítima
Apoio emocional
707 200 077 (chamada com preço independentemente da distância)

Telefone da Amizade
Um amigo nas horas difíceis
22 832 35 35
Todos os dias (16h-23h)

Linha LGBT
21 887 39 22
Quarta a domingo (20h-23h)

Linha Urgência Espaço T
Apoio em momentos de crise e situações de angústia
707 201 076 (chamada com preço independentemente da distância)
Dias úteis das 14h às 18h

Linha SOS Bullying
808 962 006 (2ª a 6ª feira, das 11h às 12h30m e das 18h30 às 20h)
bulialuno@anprofessores.pt

Linha SOS Estudante
Apoio emocional e prevenção do suicídio
808 200 204 ou 96 955 45 45
Das 20h à 1h (chamada local)

S.O.S. Adolescente
800 202 484