on sexta-feira, 22 de setembro de 2017
Para ver se ressuscuto este blog, fica aqui o copy-paste de um ressabianço que fiz há uns dias no Facebook, a propósito das parvoíces que alguma malta anda por aí a espalhar sobre uma hipotetica nova lei de identidade de género:

"Ficando farto das mesmas conversas over and over again:
A proposta do BE prevê que seja possível a um menor de 16 anos lutar pelo direito à sua identidade, mesmo quando os seus representantes legais o tentam negar.
Sim, porque há pessoas que com menos de 16 anos já sabem bem que o género que lhes foi atribuído não é o género a que realmente pertencem.
E mesmo que não saibam, mesmo que depois se arrependam, não há crise, porque isto refere-se apenas à mudança de nome no registo civil, processo inteiramente reversível.
"ah, mas os putos vão começar a processar os pais e a mudar de nome para serem rebeldes"
Não, não vão. Ou se forem, estão a ser extremamente idiotas e rapidamente vão voltar atrás nesse ato de "rebeldia". Têem noção do que é viver com documentação incongruente com a vossa presença social? Mostrar o CC é um problema. Mostrar o passe no BUS é um problema. Matrículas em escolas/faculdades/whatever é um problema (já para não falar da informação nos sistemas informáticos das faculdades/escolas, nomes nas pautas, entrega de trabalhos, ter profs e colegas a tratar-nos pelo nome errado, etc). Uma vez até na biblioteca não me queriam deixar levar livros porque insistiam que aquele cartão não era meu. Qualquer merdinha em que tenham de apresentar algum tipo de identificação torna-se numa situação potencialmente desagradável ou até mesmo violenta.
Portanto, okay, sejam rebeldes, mudem de nome à toa. Boa sorte. Vamos ver quantos dias aguentam. Mas há formas mais fáceis de serem rebeldes. Formas que além de vos pouparem complicações legais, também não vos coloca em cima todo o estigma associado às pessoas trans.
Pois, porque ser trans não é fixe (se acham que sim, tirem a cabeça do tumblr e das páginas de memes e falem 5 mins com alguém trans). Nenhum puto de 13 anos vai decidir chamar-se Amélia só para arreliar os pais, quando tal lhe iria trazer todo um convite para ser alvo de bullying por parte dos colegas.
Portanto, não, não vai surgir uma epidemia de crianças a processar os pais para mudar de nome só porque sim.
"ah, mas achas bem fazer uma coisa assim tão cedo?"
Sim, acho. Toda a gente fala sobre o quão prejudicial pode ser para uma criança começar um processo de transição, mas ninguém fala do quão prejudicial pode ser NÃO começar um processo de transição. Para uma criança que já começou a sofrer de disforia, depressão, ansiedade, ideações suicidas, e sabe-se mais lá o quê, é negligente não fazer nada e "esperar que amadureça", porque "é muito cedo".
E por falar sobre ser "prejudicial começar tão cedo", volto a relembrar que esta "polémica" toda gira à volta da mudança de nome no registo civil. Não estamos a falar sequer de intervenções clínicas, apenas da atualização do CC.
E mesmo que estivessemos a falar sobre intervenções clínicas, ditam as normas clínicas internacionais que antes dos 16 podem ser administrados bloqueadores de puberdade (coisa que, tanto quanto sei, ainda não se faz em Portugal), cujos efeitos são também reversíveis. Esse tipo de medicação serve para "comprar tempo" à criança, impedem que os caracteres sexuais secundários se desenvolvam enquando a criança, em conjunto com a sua família e médicos, fica com tempo para entender bem aquilo que é e aquilo que precisa para ficar bem. Se entretanto a criança descobrir que afinal não é trans, no harm done, deixa de tomar a medicação e prossegue a puberdade normalmente. Se entretanto entender que é trans, ótimo, evitou que uma série de mudanças corporais ocorressem e minimizou a disforia e outras possíveis complicações no futuro. Tivesse eu acesso a isso durante a minha puberdade, teria evitado anos em depressão, confusão, e evitava ter hoje duas cicatrizes enormes no peito.
Portanto, essa malta toda raivosa com a discussão de uma nova lei precisa seriamente de CHILL THE FUCK DOWN e de parar de dizer merda sobre um assunto em relação ao qual nada entendem, nem se esforçam por entender. E para os pseudo-jornalistas que andam por aí a espalhar headlines inflamatórias, espero que a vossa série favorita seja cancelada e que o vosso microondas vos deixe sempre a comida a ferver nas bordas e congelada no centro. Shame on you."